terça-feira, 28 de maio de 2013

Distinção entre governo civil e religião

Enfatiza a necessidade da distinção entre religião e governo civil para eliminar a confusão entre a preocupação com a salvação das almas e a preocupação com a segurança da sociedade civil. Quanto à sociedade civil, trata-se de uma sociedade de homens constituída apenas visando à busca, à preservação e ao progresso de seus próprios interesses civis, isto é: vida, liberdade, saúde, libertação da dor e posse de coisas externas (dinheiro, terras, casas, móveis etc.). É, pois, dever do magistrado assegurar a todo o povo em geral, e a cada um de seus súditos em particular, a posse justa destas coisas que pertencem a esta vida.

O poder civil, entretanto, não se estende à salvação das almas por três motivos: Porque (a) tal poder nem lhe foi outorgado por Deus (a Escritura não dá prova alguma disto) nem poderia tê-lo sido pelo consentimento do povo (pois a salvação da própria alma, sendo dever de cada qual para com Deus, não pode ser transferido pelos cidadãos ao governante); (b) o poder do magistrado civil consiste apenas na força externa (o que implica que ele é capaz de alterar condutas, mas não convicções); e, (c) mesmo que as leis e as punições mudassem as mentes dos homens, não contribuiriam para a salvação de suas almas (pois seria injusto que Deus tivesse dado a uns chances maiores de salvação que a outros em função de terem nascido num reino em que o magistrado se ocupa dos assuntos religiosos).

Quanto à igreja, Locke a define como uma sociedade livre e voluntária de homens que se reúnem para o culto público de Deus da forma que lhes parecer mais aceitável e eficaz. Como toda sociedade, precisa de regras e leis, as quais devem ser feitas por toda a sociedade ou por aqueles a quem a sociedade, de comum acordo, atribuiu o poder de legislar. Nesta parte, Locke avança sobre questões teológicas e produz uma refutação da necessidade de bispos e presbíteros com uma linha ininterrupta de sucessão desde os apóstolos do Cristo e uma defesa da conveniência de que os cristãos se limitassem aos ensinamentos e ritos explicitamente prescritos nas Escrituras.

Ainda quanto à igreja, ela deve abrir mão de qualquer direito ao uso da força, pois esta pertence exclusivamente ao magistrado civil. Deve se organizar internamente segundo regras que sejam postas e observadas pacificamente, pelo convencimento apenas, sendo legítimo que advirta pacificamente seus membros e que, nos casos extremos, os puna com a expulsão de seu corpo. Contudo, mesmo neste caso, tal punição não deve atingir sua pessoa, sua vida, sua liberdade ou seus bens, mas apenas sua pertença àquela associação religiosa.

0 comentários:

Postar um comentário